Como a Estônia se tornou referência mundial em digitalização de governança, o governo digital?

A Estônia é um país com uma população de aproximadamente 1,3 milhão de habitantes, divididos em cerca de 20 cidades. Curiosamente, apenas três dos vinte municípios tem mais de 50 mil habitantes: a capital, Talín, é a maior cidade, com cerca de 420 mil habitantes, Tartu tem 98 mil e Narva com 58 mil. Isso demonstra que a política aplicada nesses municípios é totalmente viável em cidades menores, o que é comum no Brasil, onde a maioria dos municípios (9 a cada 10) tem menos de 50 mil habitantes. E é por isso que gostaria de compartilhar essa política com vocês.

Acredite ou não, a pequena nação da Estônia é referência mundial em governança digital. Mas como eles alcançaram esse feito? Antes de explorarmos o processo de digitalização do governo estoniano, vamos compartilhar algumas curiosidades sobre o país.

Desde 2013, o transporte público da Estônia é gratuito para todos os cidadãos cadastrados no sistema de cadastro público. Como quase toda a população estoniana (98%) está cadastrada nos sistemas do governo, isso significa que a maioria da população não precisa pagar pelo transporte público desde então. Além disso, a maioria da população (88%) tem acesso à internet de qualidade, com 4G ou superior. Nas eleições para prefeitos, vereadores e presidente, cerca de 43% da população vota online. Aqui, é possível abrir uma empresa em apenas 15 minutos porque todos os documentos estão digitalizados e integrados, permitindo que ofereçam esse tipo de serviço para a população. Essas são algumas das razões pelas quais a Estônia tornou-se uma referência mundial em governança digital, onde tudo é feito pela internet: desde a votação até a abertura de empresas.

Devido a esses serviços, eles se tornaram referência mundial em governança digital. Desde 1999, eles começaram o processo de digitalização de todos os processos do governo na Estônia. Eles criaram esse processo através do Governo Federal e aplicaram em todos os vinte municípios. É como se fosse um consórcio que envolveu Talín, que é a capital, e os outros dezenove municípios, conseguindo digitalizar e implementar a infraestrutura digital para o país inteiro.

É claro que é diferente daqui. Uma coisa é fazer isso para vinte municípios, outra coisa é fazer isso para 5.570, como no Brasil. Mas a ideia aqui é perceber que é possível aplicar esse projeto via consórcio municipal em vinte municípios da sua região. Esse é o insight que tive ao ter contato com essa política pública aqui na Estônia. Essa política pode ser aplicada em nossos municípios via consórcio municipal, tornando o processo de contratação economicamente viável, porque será mais barato, e tendo um impacto muito maior, uma vez que abrange mais municípios e traz benefícios para o cidadão, para a prefeitura e para a empresa que oferece o serviço. Esse é o diferencial, é isso que estou trazendo para vocês.

Esse projeto se chama “e-Estonia” (o “e” se refere à internet). Eles têm quatro grandes valores que regem todo esse projeto, que são a transparência, eficiência, confiança e a regra máxima de que o cidadão só dá seus dados ao governo uma vez.

Então, se um cidadão se cadastrou uma vez, ele não precisa fornecer as informações novamente ao governo. É responsabilidade do governo gerenciar e organizar essas informações e tê-las disponíveis sempre que necessário. Por exemplo, se um cidadão se cadastra por meio da secretaria de saúde, esses dados devem estar disponíveis para todas as outras secretarias. Sabe quando a gente precisa ligar para um atendente e toda vez temos que falar nosso CPF e endereço? É como se fosse um jogo de telefone sem fio, em que as informações precisam ser repetidas várias vezes. Isso não acontece na Estônia. Lá, as informações são solicitadas apenas uma vez e o governo se encarrega de organizá-las, tornando o processo mais rápido e eficiente para as pessoas, deixando os cidadãos mais felizes, porque não tem nada mais chato do que ter que fornecer as mesmas informações várias vezes para a mesma instituição ou órgão público.

Imagine uma situação em que um cidadão precisa regularizar o pagamento do IPTU. Em muitas cidades brasileiras, a prefeitura não tem dificuldade de identificá-lo, mesmo que ele apresente o CPF ou o registro do imóvel. Isso é totalmente inaceitável. Precisamos ter eficiência no processo de gestão de informações para garantir rapidez, economia de recursos financeiros e de tempo das pessoas que trabalham no setor público que poderiam estar se dedicando a outras atividades, além de melhorar a qualidade do serviço prestado.

Então, o projeto tem alguns princípios, como já mencionei, de:

  • Transparência
  • Eficiência
  • Confiança
  • “Once-only”, que é a regra máxima de que o cidadão só deve fornecer dados ao governo uma vez.
  • Foco total no usuário, visando melhorar a experiência do cidadão em relação aos serviços públicos. O usuário é o cidadão e é importante deixá-lo satisfeito ao resolver essas questões com a Prefeitura ou Governo.

E como eles fizeram isso?

Digitalizando tudo. A ideia é que, sempre que possível, o cidadão não precise ir à prefeitura e consiga resolver tudo de casa. Quando o cidadão consegue resolver tudo de casa, fica feliz porque não precisa se deslocar e pode resolver de onde estiver.

Os processos que estão nos sites das prefeituras são bem fáceis de entender e qualquer pessoa, independentemente do nível de estudo, consegue fazer. Então, quando a gente traz isso para o Brasil, é importante colocar esses processos nos sistemas online, mas de um jeito que seja fácil de todo mundo entender, tem que ser quase que intuitivo, considerando que a população brasileira tem níveis educacionais diferentes.

Outra questão importante é a transparência, que está relacionada tanto aos processos quanto aos dados. Como assim? Vou dar um exemplo quanto aos processos: um cidadão pode acompanhar em que estágio está o processo dele na prefeitura, de casa mesmo, entrando no aplicativo da prefeitura. Ele consegue ver que o pedido já passou por determinadas etapas e que agora está parado em tal secretaria. Isso é possível na Estônia.

Outro ponto importante é a transparência dos dados, ou seja, a disponibilização de dados abertos. Nessa questão, na Estônia, os dados devem ser disponibilizados de forma que o cidadão consiga acessá-los e possa extrair as informações que precisa.

Atualmente, no Brasil, o comportamento do governo – seja municipal, estadual ou federal – é de conduzir o cidadão pela mão. Na Estônia e na Europa em geral, a situação é diferente. O governo ensina o cidadão a caminhar sozinho e a ser responsável por suas ações. Não é apenas uma questão de fornecer ao cidadão o que ele precisa, mas sim educá-lo para que ele possa andar sozinho. O governo europeu está se tornando cada vez mais enxuto, graças ao uso de tecnologias. Para isso, é necessário ensinar o cidadão a fazer parte do trabalho que antes era responsabilidade do governo. Não é possível simplesmente deixá-lo fazer as coisas sem mostrar o caminho. É preciso ensiná-lo a pescar. É exatamente isso que o governo está fazendo por meio desse processo de digitalização.

Muitas das coisas são disponibilizadas pelo governo para os cidadãos através de aplicativos. Logo, o cidadão não precisa mais se deslocar até o posto de saúde para marcar uma consulta, ele pode fazer isso online. Ele só precisa comparecer na hora da consulta, o que reduz a quantidade de insatisfação do cidadão em relação à qualidade dos serviços prestados, só é preciso que haja alguém lá para atendê-lo no horário marcado.

Outra iniciativa importante na Estônia é a mobilidade fronteiriça, que se refere à troca de tecnologia entre países vizinhos. Como a Estônia faz fronteira com outros quatro países, muitos dos serviços que ela presta são comuns em outras nações. Ela já desenvolveu tecnologias para alguns serviços que a Finlândia também presta, por exemplo, então, a Estônia está compartilhando sua tecnologia com a Finlândia. Essa parceria entre países é chamada de mobilidade fronteiriça, que se concentra na questão tecnológica.

Outra coisa que permitiu tudo isso aqui é a identidade digital. Além disso, em 2000, foi promulgada uma lei que equiparou a assinatura digital à assinatura física em termos de poder. Portanto, a assinatura digital tem o mesmo valor que a assinatura física, independentemente de sua finalidade, seja para comprar um imóvel ou assinar um documento.

Isso incentivou bancos e empresas a investirem mais em tecnologias relacionadas à infraestrutura digital, o que resultou em um avanço significativo na Estônia. As empresas investiram principalmente em segurança da informação digital e infraestrutura digital.

Isso também teve um grande impacto econômico. Eles afirmam que conseguiram economizar 2% do PIB com a infraestrutura digital, pois reduziu o uso de papel, filas e pessoas para atendimento.

Para o serviço público, isso é extremamente interessante. O governo não tem a flexibilidade de contratar pessoas quando precisa, já que tudo precisa ser feito por meio de concurso e isso pode levar um ano ou mais. Isso resulta em desafios para responder rapidamente às demandas com um número reduzido de funcionários. Se ocorrer um surto, por exemplo, e o governo precisar de várias pessoas, mas não puder contratá-las rapidamente, pode utilizar a tecnologia para melhorar a qualidade do serviço prestado.

É o que eles fazem aqui na Estônia: usam a infraestrutura para auxiliar no mapeamento de processos e na digitalização. Todos os protocolos são abertos pela internet, sem necessidade de presença física. Apenas em três serviços o cidadão precisa comparecer pessoalmente a um órgão municipal: para se casar, comprar um imóvel e se divorciar. Em todas as outras situações, ele não precisa comparecer e pode realizar tudo pela internet.

Mas para conseguirem fazer isso, como eu falei, estão desde 1999 nesse processo. Então, já se tem no mínimo 10 ou 20 anos de investimento nessa política pública de digitalização do processo.

Isso não significa que leva 20 anos para digitalizar os processos. Não. Leva vinte anos para se tornar uma referência mundial nisso. O processo de digitalização pode ser feito em um mandato. Então, não é algo que você levará vinte anos, mas é algo que precisa estar sempre atualizando, porque a tecnologia muda. Portanto, você precisa estar sempre atento à modernização do serviço que contratou.

O processo de digitalização pode ser realizado através da criação de uma lei municipal, que estabeleça a transição dos processos para o meio digital. Com isso, a assinatura digital passa a ter o mesmo valor legal da assinatura física e são implantados processos de digitalização na prefeitura, como a erradicação do uso de papel, por exemplo. A partir daí, será necessário mapear todos os processos da prefeitura e criar um aplicativo para que o cidadão possa acompanhar todo o processo que está sendo realizado pela Prefeitura.

Para fazer isso funcionar, outra coisa extremamente importante que eles fizeram aqui é a integração dos dados. Se o cidadão só vai passar informações para a prefeitura uma vez, essas informações devem estar acessíveis a todas as secretarias, para que elas não precisem solicitar essas informações novamente. Aqui, 100% dos dados são integrados e isso é a primeira coisa que precisamos fazer no Brasil.

Se eu pudesse sugerir uma ação para começar a transformar sua prefeitura em uma prefeitura digital, minha primeira sugestão seria organizar a casa: organize os dados internos e integre-os para que, quando um cidadão solicitar processos pela internet, os dados estejam disponíveis para todas as secretarias.

A primeira etapa é organizar a casa e integrar todas as informações, além de melhorar a infraestrutura. É necessário melhorar os computadores, pois muitas prefeituras ainda utilizam equipamentos obsoletos e lentos. Para isso, é preciso melhorar a qualidade da infraestrutura tecnológica da prefeitura, incluindo servidores, qualidade da internet e computadores.

Além disso, é importante organizar o banco de dados da prefeitura e integrar todas as informações de todas as secretarias. Apenas depois de concluir essa etapa se abre a opção para que o cidadão solicite informações para a prefeitura, porque dentro do sistema tudo já estará organizado. Essa é a segunda etapa.

Depois que todas as informações estiverem integradas nas prefeituras, é possível extrair a informação de um sistema e jogá-la para outro. 99% das prefeituras não têm as informações integradas porque utilizam sistemas diferentes. No entanto, é possível integrar esses sistemas por meio de processos de tecnologia da informação que conectam um sistema ao outro. Quando se cria esse caminho, é possível organizar toda a informação dentro de um único banco de dados, padronizá-la e validá-la, identificar o que está correto e corrigir os dados incorretos.

Após corrigir esses dados, você terá um banco de dados único. Aqui na Estônia, eles desenvolveram o próprio sistema de TI do governo federal da Estônia e integraram com todos os municípios. Todos os municípios devem ter o mesmo sistema. E, se você pretende trabalhar em consórcio, é necessário fazer igual, usar a mesma tecnologia.

Então, você vai trabalhar no seguinte sentido: escrever um projeto de cidade inteligente, no qual você submeterá a primeira fase, que é a integração dos dados e a infraestrutura digital. Para isso, você vai comprar computadores, servidores e criar a infraestrutura do banco de dados, a fim de organizar essas informações e fazer com que a informação rode dentro da prefeitura. No final, você criará um aplicativo no qual o cidadão poderá marcar consultas, fazer o cadastro, saber em qual escola o filho será matriculado, entre outras coisas que serão possíveis de serem feitas online. Só então, depois de ter todo esse processo estruturado, você abrirá para o cidadão, mas isso será no segundo momento.

A primeira questão é a integração de dados. Se você quer tornar sua cidade uma referência em governança digital, a primeira coisa a ser feita é a infraestrutura digital, incluindo computadores, servidores e internet. É necessário criar um plano de tecnologia da informação para o seu município. Depois disso, é importante garantir o acesso à internet para 100% da população. Sem acesso à internet, não é possível implementar uma governança digital eficiente.

Atualmente, a Estônia já tem 88% da população do país com acesso à internet de alta qualidade.

Portanto, comece organizando internamente e criando um plano diretor de tecnologia da informação municipal que inclua a questão da cobertura da internet no município. É necessário que todos tenham acesso à internet de qualidade para que esses serviços possam ser disponibilizado.

É possível criar o plano municipal de tecnologia da informação em um mandato político e, durante esse mesmo período, captar recursos para sua execução. Então é algo possível de se fazer em 4 anos.

Então aqui está a inspiração da Estônia em governança digital para cidades inteligentes aí no Brasil. Recapitulando: 17 municípios com menos de 50 mil habitantes e 3 com mais de 50 mil se tornaram referência mundial em governança digital porque fizeram esse processo integrado. Juntos, eles digitalizaram todos os processos de todas as prefeituras do governo, em todas as instâncias. Através de um projeto de cidade inteligente, eles foram lá e digitalizaram tudo. Hoje, o cidadão faz tudo pela internet e com as regras máximas: o cidadão só dá informação para o governo uma vez.

Então, a gente precisa pensar: o que precisa ser feito para que o cidadão no meu município só dê a informação uma vez para a Prefeitura e consiga resolver todos os problemas que ele tem? E como melhorar a eficiência dos serviços? Como que eu consigo tornar possível abrir uma empresa em quinze minutos? Será que eu consigo oferecer transporte público gratuito para meus cidadãos? A Estônia conseguiu, por que que a gente não consegue? O que eles fizeram que permite isso? No caso, eles cadastraram 100% da população e, com a economia que eles fizeram com a digitalização, conseguiram uma economia de 2% do PIB e usaram esse dinheiro para oferecer transporte gratuito para a população.

Uma cidade inteligente é aquela que se concentra no cidadão, buscando deixá-lo feliz e resolver seus problemas. Um processo que economiza recursos em uma área pode trazer benefícios para a população em outras áreas e é assim que uma cidade inteligente funciona. 

Ela utiliza tecnologia não como um fim em si mesma, mas como um meio para solucionar problemas. É dessa forma que podemos alcançar nosso objetivo de transformar nossos municípios em cidades mais inteligentes.

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